A Casa Rural no Concelho de Alcobaça em 1961 da teorização erudita à prática popular

Main Author: pedro fonseca jorge
Format: info publication-thesis eJournal
Bahasa: por
Terbitan: , 2005
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Online Access: https://zenodo.org/record/2617158
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  • O presente estudo surge na continuação do trabalho desenvolvido na Prova Final de conclusão de licenciatura em Arquitectura na Faculdade de Arquitectura do Porto. Neste foram procurados os Tipos Arquitectónicos característicos da região de Alcobaça, tendo os Modelos recolhidos revelado diferentes soluções espaciais. Foi possível identificar diversas influências, de proveniências diversas, o que sugeriu o presente Tema: a procura de uma reflexão prática e teórica, de cariz erudito, sobre a casa rural, nos diversos Tratados de Arquitectura e Catálogos de Modelos, e a sua possível manifestação no domínio da habitação popular. Começaram por se estabelecer as diferenças entre as designações de Vernacular, Erudito e Popular, concluindo-se que a primeira corresponde à arquitectura de origens exclusivamente locais, a nível de forma e materiais de construção, em que não se verificam trocas culturais com o exterior. A Arquitectura Erudita, pelo contrário, vive do intercâmbio de ideias, pretende transpor as fronteiras do regional, e tornar-se internacional. Por fim, do contacto sofrido pelo Vernacular com a informação externa, nasce a Arquitectura Popular, que absorve sinais Eruditos, englobando-os na construção local, criando deste modo uma nova categoria. Do mesmo modo, são explorados outros percursos, nomeadamente na viagem que as características regionais fazem para a Arquitectura Erudita, ao servirem de tema para a concepção do Projecto de Arquitectura. De seguida tentou estabelecer-se uma sequência histórica através da qual a habitação rural na Europa se desenvolveu, por intermédio da recolha de modelos Vernaculares e Populares. Ressalvam-se os primeiros habitats sem divisão espacial interna, e o momento posterior em que se procede à hierarquização do espaço, tomando como exemplo Skara Brae, em cujas estruturas habitáveis se estabelece um percurso interno e a separação funcional. No período da Idade Média constatou-se a influência do fogo na decisão de separar fisicamente o interior da casa, condicionando a presença do fumo, sendo que no final do dito período o retorno ás cidades ocasionou a construção de modelos habitacionais urbanos originários nos rurais. A partir desta data, a cidade passa a ser o pólo de desenvolvimento da teoria e da forma arquitectónicas, efectuando-se uma troca, em que os modelos vernaculares passam a ser o receptáculo de influências eruditas. Permanece o desenvolvimento da arquitectura rural, na qual se verifica a adição de novas dependências, por subdivisão do espaço habitável, e não através do aumento da área: definem-se estrados sob a cobertura, e zonas separadas de estar e de cozinhar. Na cidade assiste-se ao aparecimento da habitação colectiva, através da divisão da casa unifamiliar em apartamentos, primeiro em altura, depois num único piso e posteriormente separando os acessos comuns dos privados. A nível interno, a divisão é sucinta, por tabiques, que definam duas áreas, a comum e a privada. Na habitação mais onerosa, permanece a “enfilade” de salas, tal como nos modelos eruditos rurais, em que as divisões são sucessivamente mais privadas, mas no urbano, e especialmente na Baixa Pombalina, por ocasião da sua reconstrução, começam a ser propostas soluções em que a distribuição se faz por intermédio de uma sala ligada à entrada, primeiro uma zona comum: a sala de jantar, que posteriormente migra para o interior da casa, conforme o verificado na cidade de Paris do séc. XIX. Separam-se as funções diurnas das nocturnas, ou o público e o privado, adicionando-se corredores de distribuição que substituem a “enfilade”. No domínio do rural, nas habitações mais abastadas recolhe-se o modelo urbano da casa isolada, de cariz erudito, enquanto que na população trabalhadora a casa permanece de área diminuta, e simples no seu desenvolvimento espacial, em que duas ou três divisões definem o público, o utilitário e o privado. A procura de Modelos e da Teoria arquitectónica encontra eco no registo escrito dos mesmos, sob a forma de Tratados, cujo primeiro a ser conhecido foi realizado por Vitrúvio. A sua mensagem sofre contudo pela perda das imagens que acompanhavam o texto, que aliás é escrito num Latim difícil e com termos gregos, o que dificulta a sua compreensão. O trabalho meritório dos seus tradutores depara-se com este facto, no que resulta uma interpretação pessoal do texto de Vitrúvio e na adição de novas imagens, o que pode ter adulterado as ideias iniciais do autor. O seu principal mérito surge na sugestão de um artífice especializado em conceber o espaço, ligado à expressividade, do qual surge o Arquitecto, e à ideia de registar no papel os princípios que definem a actividade deste. Alberti tenta dignificar a profissão do arquitecto, escolhendo para isso um registo puramente teórico e escrito em latim, uma língua destinada na altura aos textos eruditos. Tenta suscitar interesse pelo legado greco-romano através de uma obra de ficção onde faz as personagem percorrer as ruínas dos edifícios clássicos. Serlio opta por uma visão mais prática na divulgação dos seus princípios, ao apresentar uma obra profusamente ilustrada com Modelos concebidos à imagem da sua teoria. Por fim, Palladio cria aquilo que se pode apelidar de catálogo, ao abordar a obra de arquitectura sob um ponto de vista mais utilitário, em que a imagem é a figura central do seu Tratado. A nível de discussão teórica da casa rural, discute-se a herança romana da Villa, que após a queda do Império permaneceu por desenvolver, até ser novamente debatida no Renascimento. Vitrúvio induz à sua discussão, mas é sucinto na sua abordagem, Alberti prossegue com a descrição de um modelo adaptado ao rico proprietário, em que a sucessão dos espaços, devidamente formalizados para significar a sua função, consiste no debate distributivo empregue. Revela as necessidades da implantação correcta da casa, a nível de salubridade e visibilidade. Tendo dividido a sua obra em Volumes, Serlio dedica o Sexto ao habitar, destinado tanto a clientes poderosos como a mais modestos. Exerce alguns comentários a nível construtivo, mas a maior virtude do seu catálogo é a de propor um esquema interno da casa baseado num corpo central público ladeado de divisões privadas, esquema que se repete nos seus modelos, que pretendia encontrarem-se na base da discussão projectual pelos seus colegas arquitectos. Palladio opta por não expor de forma directa os seus princípios teóricos, pretendendo que estes sejam sugeridos pelos diversos modelos que apresenta. Estes baseiam-se na tradição clássica, mas visam corresponder a necessidades funcionais da actividade agrícola, dignificando-a através de regras de desenho e proporção trazidas da antiguidade, mas também de uma lógica construtiva ligada à disponibilidade dos materiais. A experiência francesa no âmbito da teorização do habitar englobou essencialmente a casa urbana. Do mesmo modo, o público a quem se dirigiam os seus autores, não consistia numa população trabalhadora, mas na nobreza e na burguesia francesas que desejavam palácios e casas grandiosas. A experiência de outros tratadistas franceses, como Sambin, que debateu atalantes e cariátides, ou Savot, médico, que definia a localização, implantação e orientação de um ponto de vista de salubridade, confirmam este facto, ao debaterem problemas menos directos da habitação. Du Cerceau concebeu uma obra prática destinada a acompanhar o construtor no local de obra, fornecendo desenhos de fácil compreensão e um formato de bolso para o seu livro. Le Muet entende o pragmatismo segundo outro ponto de vista, em que prefere conceber uma infinidade de soluções destinadas ás mais variadas situações urbanas (variando largura e profundidade do lote) em que apenas nos modelos de maiores dimensões tenta fazer uma aproximação ao rural, através de uma empena mais estreita que simula o facto do edifício não se encontrar encostado a outro. Em Inglaterra sente-se pela primeira vez a identificação do problema social da habitação da classe trabalhadora, seja ela rural ou urbana. Foi aqui que foram realizadas as primeiras experiências a nível da habitação operária, mas também da camponesa, em que o campo era entendido como um refúgio da cidade decadente. A moralização das classes, incluindo as mais desfavorecidas, leva a que a atribuição de condições dignas seja uma atitude conseguida através da definição de uma casa salubre. Deste modo são elaboradas propostas com diferentes visões daquilo que deve ser o habitat dos mais pobres. Por um lado, indo buscar o código linguístico da habitação clássica, de modo a dignificar o estrato social a que se destinava, por outro lado, fazendo menção a formas e materiais rurais, numa analogia à suposta vida idílica no campo. Do mesmo modo este recurso era utilizado de modo a demarcar o estatuto social de cada um dos proprietários, dado que aos mais abastados seria atribuída uma imagem classicizante. A citação ou influência, que passa a englobar motivos orientais, entre outros, não impediu que a experiência inglesa se caracterizasse por ser imaginativa nas formas e nas soluções espaciais, em que são apresentados modelos funcionalistas e futuristas. A América do Norte revela-se como um novo mercado em que a arquitectura, dada a ausência de especialistas, se obtém por intermédio de livros, cada vez menos Tratados teóricos e cada vez mais Catálogos de modelos, facilmente copiáveis em obra sem intervenção de um profissional. O classicismo é experimentado, mas preterido na habitação por ser condicionador em termos de uso da divisão, uma vez que a crescente atribuição de funções específicas aos espaços induzia a que cada um fosse de dimensões e formas diferenciadas. O modelo usado é deste modo o Vitoriano, herdeiro de uma tradição rural italiana da Idade Média, de formas assimétricas e complexas, que se vê destinada, mais uma vez àqueles que se pretendem refugiar no campo. A Villa de produção não é portanto um exclusivo do debate arquitectónico, mas surge ligado a algumas propostas, mesmo com um cunho Modernista de formas rectilíneas e funcionais. Será ainda no aproximar do séc. XX que se assiste a uma cada vez maior especialização da publicação de arquitectura, que mais do que se limitar a ser um catálogo onde se escolhe um desenho, passa a ser um meio de encomendar pelo correio uma casa pré-fabricada. Do mesmo modo, deixa de ser da autoria de uma Arquitecto, para passar a consistir numa recolha de vários autores, promovido por um editor ou empresa, o que revela o percurso efectuado pela publicação de Arquitectura. A nível nacional e local, existe igualmente debate a nível do habitar, em que o movimento mais expressivo se assume como o da Casa Portuguesa, popularizado por Raul Lino, mas entendido de um modo diferente pelos seus seguidores, que visavam unificar a produção arquitectónica de todo país de modo a identificá-lo através de uma imagem similar. Raul Lino não seria tão excessivo, apesar de entender o legado formal regional como um conjunto de elementos avulsos a adicionar livremente à casa. Como reacção é elaborada nos anos 60 uma colectânea de obras de arquitectura popular em Portugal, assim designada por visar a real arquitectura local, dividida formalmente e construtivamente de acordo com o espaço geográfico em que se insere. Consistindo numa crítica aos excessos do Modernismo, esta obra dá ênfase tanto à excepção como à regra, sendo esta a principal definidora da paisagem. A nível da região de Alcobaça, são ainda exploradas as possíveis influências externas que marcariam a produção arquitectónica, como a vaga Romântica alcobacense de “chalets” suíços, ou ainda a própria arquitectura cisterciense, não através das formas do Mosteiro, mas sim do legado escrito introduzido pelos Tratados de Agronomia, por exemplo, e de construções diversas, como o Lagar do Mosteiro, onde habitava o Monge Lagareiro e que poderia ter sido uma influência visível na habitação local. Do mesmo modo seriam exploradas as construções mais nobres nos arredores de Alcobaça, soba a forma de quintas de exploração agrícola de dimensão razoável, cujas as influências seriam visivelmente eruditas, a pesar de dificilmente identificáveis. Para tal seria utilizado como contraponto a obra de João Vieira Caldas, fonte praticamente inesgotável de modelos, que forneceu a informação complementar destinada a compreender os modelos locais. Posteriormente efectuou-se uma recolha de modelos populares na Câmara de Alcobaça, no ano em que estes iniciaram o seu registo, 1961, que coincidiu com a realização do Inquérito à “Arquitectura Popular em Portugal”, produzindo-se assim uma imagem daquele que seria o panorama arquitectónico rural em Portugal, para além dos vestígios do passado patentes na obra supracitada. De acordo com o que havia sido realizado na Prova Final, foi procurado um modelo de planta rectangular, cobertura orientada no sentido da fachada principal, composta por uma porta central e duas janelas laterais. Deste modo foi possível identificar três Tipos de organização interna, que partilhavam a mesma forma exterior, e que se definiam do seguinte modo: o Tipo 1 apresentava quatro divisões, com entrada pela sala, que acede a um quarto e à cozinha. Ao segundo quarto teria de se atravessar a cozinha, existindo modelos em que é este quarto que serve de acesso à zona de preparação de alimentos. O Tipo 2 continua a apresentar o acesso pela sala, mas agora é possível aceder a cada um dos três espaços restantes independentemente, sem devassar a privacidade dos primeiros, pela diferente disposição das divisórias internas. Excepções existem em que não se faz uso desta benesse para favorecer o acesso. O Tipo 3 apresenta um corredor central, o que faz com que a sala passe a ter uma entrada independente, à semelhança das restantes divisões, o que permite a localização de uma casa de banho no topo do corredor. Mais uma vez, pela inépcia dos seus autores, nem todos os modelos beneficiam deste novo elemento distributivo para se diferenciarem dos Tipos precedentes. A nível estético, o Tipo formal de porta central e janelas laterais serve de suporte para que se adicionem elementos trazidos da Casa Portuguesa, mas também do Modernismo, que começa a introduzir-se a nível também espacial, através um modelo de corredor central e aberturas laterais, não investigado. Conclui-se que o debate da arquitectura rural e popular sempre existiu por parte das classes mais eruditas, não sendo um exclusivo de movimentos arquitectónicos mais recentes, mas tal como estes, não logrou atingir os seus objectivos. Por um lado, porque o veículo de transmissão dos modelos, o Tratado ou o Catálogo, não se encontrava ao alcance dos mais desfavorecidos, por outro porque o que a classe rural procura reter da arquitectura Erudita é diferente do que aquilo que os autores desta pretendem fornecer, nomeadamente um propósito funcional e ruralizante, quando a população trabalhadora se procura aparentar aos modelos mais nobres. A recolha dos sinais destes faz-se por intermédio da Imagem, ou do Inútil, ligado àquilo que o povo entende por expressividade, sendo que este apenas é mantido se revela uma vertente utilitária, como é o caso da distribuição espacial do Tipo 3. Deste modo, a permanência do Útil é assegurado até se tornar obsoleto, altura em que é substituído, mas enquanto sobrevive serve de suporte aos caracteres da arquitectura meramente decorativos, que beneficiam de uma maior volatilidade, mas ao mesmo tempo de um maior retorno.
  • Tese de mestrado para obtenção do grau de mestre em Metodologias de Intervenção no Património Arquitetónico